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A convite do Presidente, Ulisses Correia e Silva, o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca procedeu, na manhã de 05 de Novembro, à abertura oficial do 1º Fórum & Feira Social Municipal, realizado pela Câmara Municipal da Praia (CMP).
Discurso proferido por Sua Excelência Dr. Jorge Carlos de Almeida Fonseca, Presidente da República, na Cerimónia de abertura do 1º Fórum e Feira Social Municipal
Biblioteca Nacional, 5 de Novembro de 2014
EXCELÊNCIAS,
Senhor Presidente da Câmara Municipal da Praia
Senhora Presidente da Assembleia Municipal da Praia
Senhores deputados da Assembleia Nacional
Senhores embaixadores
Senhores Embaixadores
Representantes das confissões religiosas
Senhor Chefe da Casa Civil
Líderes das bancadas municipais
Senhoras e Senhores Vereadores e Deputados Municipais
Senhor Bastonário da Ordem dos Engenheiros de CV
Senhoras e Senhores Jornalistas e profissionais da comunicação social
Ilustres Convidados,
Minhas senhoras e Meus senhores
O boom populacional verificado com o êxodo rural (em consequência das secas da segunda metade dos anos 60 do século passado); a independência nacional e o cortejo de famílias que buscam na capital o seu lugar ao Sol; as melhores condições de sobrevivência do Município, mercê da instalação de pequenas e médias empresas, e a consequente criação de riqueza que propiciaram; a atracção que a cidade da Praia passou a exercer em relação aos demais municípios da vizinhança; trouxeram dificuldades especiais na gestão da cidade e do Município e obrigam a população a um exercício suplementar de conciliar o aproveitamento das oportunidades com o cumprimento dos deveres cívicos e a exigência do respeito pelos seus direitos.
Por isso, a edilidade tem o duplo desafio de eliminar os atrasos e as disfuncionalidades derivados do facto de (1) ter andado quase meio século a reboque das circunstâncias e chegando, via de regra, com relativo atraso e em segundo lugar, pôr de pé o Plano Director Municipal, os Planos Urbanos Detalhados, os Planos de Pormenor e outros instrumentos de gestão urbana previsional, para poder antecipar soluções a problemas futuros, evitando a navegação à vista e o ter de andar atrelado aos acontecimentos.
Excelências
Prezados Amigos e munícipes
O modelo de desenvolvimento cabo-verdiano tem-se traduzido por um acentuado aumento das desigualdades sociais, realidade nacional que, naturalmente, também afecta a cidade.
A exclusão social que, como sabemos, abarca as vertentes económica, cultural e psicológica tem nas políticas económicas um dos seus factores determinantes. Quando importantes contingentes humanos não têm rendimentos que lhes permitam o acesso a bens e serviços essenciais, são obrigados a engrossar as fileiras dos marginalizados, com todo o cotejo de problemas inerentes.
Sem pretender atribuir responsabilidades por alguns dos importantes problemas que angustiam a nossa sociedade como a violência, a insegurança, o alcoolismo, a toxicodependência, a violência baseada no género, apenas a factores de ordem económica e social, não restam dúvidas de que a pobreza, a desigualdade irrazoável na distribuição de rendimentos, que condicionam poderosamente o acesso a bens e serviços de primeira necessidade, contribuem de forma significativa para a existência e o agravamento de tais mazelas.
Acredito que as taxas de desemprego, ainda elevadas, especialmente no seio da juventude, as dificuldades que muitas famílias enfrentam para se alimentarem de forma adequada, as precárias condições de habitação para muitos agregados familiares, favorecem e potenciam o consumo de substâncias psicoactivas, que, por sua vez, contribuem para a violência, que gera insegurança e outros males.
Minhas Senhoras
Se o processo de desenvolvimento é nacional e depende de muitos factores externos, tem sentido um exercício de planificação municipal? Não se tratará de uma tarefa dispensável?
A resposta é claramente negativa. Como se referiu, cada vez mais se considera que os processos de desenvolvimento que não levem em conta as especificidades locais e o envolvimento das pessoas através das suas organizações, correm sérios riscos de serem votados ao fracasso.
O debate a nível municipal justifica-se, pois, pelo facto de permitir que os decisores a nível central conheçam as perspectivas municipais e por ser um importante elemento enformador das políticas municipais e locais.
Naturalmente, quando esse debate ocorre no maior município do país a sua relevância é ainda mais evidente.
A definição e concretização de políticas sociais deve, em princípio, responder de uma forma global a necessidades sociais de uma determinada comunidade em matéria de equipamentos e serviços, contribuir para a prevenção de distorções que os processos de desenvolvimento possam conter, contribuir para a correcção de tais mazelas, quando existentes, e assistir e recuperar as pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade.
Não se pode, por exemplo, deixar de questionar se o sistema de planeamento urbano tem de facto originado uma espécie de processo de “gentrificação” que leva a fechar as portas de oportunidades aos residentes, sobretudo jovens, dos bairros suburbanos.
A ostentação de uma aparente desigualdade programada pode dar origem a vários universos, a várias subculturas que se cruzam sem desejos de se conhecerem e de se comunicarem porquanto se olham mutuamente com grande desconfiança e se estigmatizam reciprocamente. O desconforto social que disso resulta e o conflito a volta da ocupação de espaços públicos para comodidade de uns e para o ganha-pão de outros pode ser muitas vezes difícil de gerir.
Devem aquelas políticas, em suma, assegurar os direitos sociais das pessoas, que indiscutivelmente integram os direitos fundamentais.
Se cabe aos poderes públicos a sua elaboração e concretização não existem dúvidas de que o seu sucesso fica seriamente comprometido quando os destinatário não são envolvidos.
Assim, entendo da maior importância a preocupação da Câmara Municipal da Praia em envolver as organizações da sociedade civil neste debate. É imperioso que tenham voz e participem não apenas na execução de programas, mas também, e de acordo com as suas capacidades, na sua concepção e sua elaboração.
As Universidades, podem, através de estudos, da elaboração e execução de projectos-piloto, por exemplo, contribuir, de forma decisiva, para o diagnóstico das situações, a adequação das propostas à realidade concreta e a avaliação do impacto das mesmas na vida das pessoas.
Uma vez que o objectivo central deste evento é a procura de soluções para os problemas da cidade, o envolvimento de entidades públicas e privadas nela sediadas, com responsabilidades directas ou indirectas na esfera social, é da maior importância.
Senhores e senhoras embaixadores
Prezados Munícipes
Minhas Senhoras, Meus Senhores,
A insegurança e o medo passaram a fazer parte do quotidiano dos praienses, aliás, a criminalidade assume os contornos de uma certa desumanização, e já atinge níveis comunitariamente insuportáveis, condicionando seriamente a liberdade das pessoas.
Todavia, uma das questões não menos prioritárias que nos interpela enquanto residentes da capital é a que se relaciona com os valores.
Precisamos de construir um País, uma Cidade, onde as pessoas que nela habitam percebam que as suas atitudes e comportamentos responsáveis são determinantes para o fortalecimento “cidadania comunitária”, à coexistência pacífica e à boa imagem que se transmite a quem nos visita; referimo-nos a atitudes simples que vão desde o simples tratamento do lixo, do barulho desnecessário que se faz ao vizinho do lado, do urinar na rua, da falta de respeito e imprudência dos automobilistas, da sobrelotação de passageiros nos autocarros nas horas de ponta.
Ilustres Convidados,
Minhas senhoras e Meus senhores
Por todo lado a violência assume um carácter endémico, mesmo fora dos teatros de guerra. A violência, particularmente no seio da juventude, é um fenómeno relativamente novo, pelo menos, com a intensidade e amplitude que tem assumido.
Muitas vezes ela está ligada ao consumo de substâncias psicoactivas, ao pequeno tráfico ou a outras actividades desviantes. Mas com alguma frequência ela surge aparentemente do nada. Parece tratar-se de um processo quase universal que tem afectado as mais diversas sociedades. Isto significa que nada há a fazer? Que como se costuma dizer é um sinal dos tempos ou “ os custos inerentes ao processo de desenvolvimento?”
Não vivemos é certo, num mundo à parte. Sofremos e muito as consequências do que se passa noutros lados. As consequências económicas e sociais do mundo repercutem-se em nós de forma muito clara e por vezes dolorosa, dadas as nossas fragilidades.
Por maiores que sejam as condicionantes externas, não é possível conviver de modo passivo com a situação de violência e insegurança que teima em fazer parte do nosso quotidiano. É provável que as condicionantes externas (crime organizado em torno do tráfico de drogas, adopção acrítica de comportamentos importados) tenham um impacto importante nesse perturbador fenómeno. Mas os comportamentos que os medeiam ocorrem aqui. Os que não têm ligação directa com tais factores, também, têm lugar aqui.
Por isso, se os factores externos não podem ser ignorados, também não podem ser elevados à condição de únicas determinantes dos problemas que enfrentamos, sob pena de não termos capacidade de intervenção eficaz.
É evidente que a preocupação com o cenário interno não pode significar que a actuação deve ser isolada. Em algumas áreas, como a da repressão aos tráficos internacionais, a articulação na perspectiva de acções conjuntas com outros países e organizações, é decisiva.
A articulação com parceiros externos, uma necessidade imperiosa, não pode ser assumida como uma relação de inércia. Ela não pode significar a abdicação da obrigação de pensar, de reflectir, a partir de uma perspectiva local, sobre os problemas que se pretende enfrentar. E, sobremaneira não pode significar abdicação, de agir com firmeza, com racionalidade e inteligência, com coragem, com base em critérios definidos na lei existente, e no exercício efectivo da autoridade democraticamente legitimado. Não se pode ter receio de agir e de explicar e de convencer, mesmo quando as medidas e soluções possam parecer desagradáveis ou impopulares, se elas se mostrarem necessárias e adequadas; não se pode continuamente optar pelo mais fácil, pelo mais cómodo, pelo mais imediato, por vezes, pelo mais popular, com o ensaio de sucessivas fugas em frente para soluções aparentemente eficazes mas que todos sabemos, até pela nossa experiência e experiência dos outros, destinadas ao fracasso absoluto. Para, depois, voltarmos às mesmas justificações, as mesmas desculpas e à reincidência nas mesmas soluções e fugas sem resultados relevantes.
Excelências,
Minhas Senhoras, Meus Senhores,
As Universidades podem desempenhar um papel de primeiro plano ao serem o elo de ligação entre a ciência e a realidade local que se pretende apreender na sua originalidade e modificar na perspectiva do bem-estar das pessoas e dos cidadãos.
Elas poderão ser uma ponte altamente criativa entre a realidade local e o conhecimento acumulado em outras paragens mas, também, entre nós. Não se pretende que tenha uma participação puramente instrumental, mas seja um verdadeiro espaço de construção do conhecimento que integre a parcela do universal que existe na nossa realidade.
Cada vez mais as organizações da sociedade civil são chamadas a participar da reflexão em torno de problemas que afectam as comunidades. Se tal postura traduz um reconhecimento de todo o potencial dessas organizações que mantêm relações muito estreitas com as comunidades, não deixa de envolver alguns riscos, como seja a tentação da sua manipulação político-partidária e ou a sua instrumentalização na legitimação de políticas que podem não representar as melhores soluções para os problemas das pessoas.
Se é indiscutível que a emergência de muitas organizações da sociedade civil é um importante indicador da vontade de participação dos cidadãos na vida política e no processo de desenvolvimento do país, que uma parcela importante dessas estruturas tem desempenhado, de forma autónoma, importante papel na afirmação e defesa dos interesses legítimos das pessoas, é facto que grande parte delas, ainda, exibe debilidades que as torna particularmente vulneráveis aos apetites manipulatórios.
A sua participação neste fórum é, assim, de extrema importância uma vez que vai permitir escutar vozes autorizadas acerca de caminhos a serem percorridos e provavelmente apreciar reflexões sobre as limitações principais que essas estruturas enfrentam.
Para além da participação directa nos debates, a sociedade civil está, também, presente através da Feira Social Municipal nos dias sete e oito, o que retrata a interacção estabelecida pelas suas organizações com as pessoas. A Feira Social Municipal, para além de proporcionar uma maior visibilidade a essas estruturas é, também, uma forma útil de ampliar o espaço e a duração deste importante evento.
EXCELÊNCIAS,
Senhor Presidente da CMP
Caros munícipes,
À problemática de género reserva-se um lugar de destaque nos debates a serem realizados. Ainda que se tenha destacado o papel da mulher no importante e controverso processo de informalização da economia, estou convencido de que as várias outras facetas dessa camada, verdadeiro esteio da nossa sociedade, serão aprofundadas.
O seu papel na educação dos filhos num contexto de complexos fenómenos que envolvem a sociedade e a família, na prevenção da violência baseada no género, na protecção das crianças contra a violência e o abuso sexual, bem como na prevenção do uso abusivo de substâncias psicoactivas, nomeadamente do álcool, deverá merecer aturada atenção.
O facto de este fórum estar a ser realizado num contexto de importantes dificuldades sociais não deve ser pretexto para que ele se cinja a avaliações mais ou imediatistas e que se esgotam em si mesmas.
Nesta linha, saúdo a perspectiva claramente assumida de se ir muito mais longe. Sem ignorar a situação de muitas famílias que, actualmente, vivem em situação muito precária, as perspectivas claramente assumidas nos objectivos definidos são muito mais amplas. A decisão de realização deste evento periodicamente reforça essa visão.
Não duvido que este evento será da maior importância para a Capital e creio que, também, para o nosso país. Contudo, para que os seus frutos sejam, de facto, o que se pretende e deseja, é fundamental que se disponha dos instrumentos de intervenção necessários à concretização das propostas e ambições.
Pensamos que uma boa e leal relação entre os diferentes níveis de poder pode traduzir-se em melhor gestão e aplicação dos recursos tendo em vista a maximização dos resultados, para além de poupar os titulares dos cargos públicos de situações propiciadoras de tensões, geradoras de bloqueios, em que, muitas vezes, se perdem tempo e recursos que, se aplicados na resolução dos verdadeiros problemas dos cidadãos e dos agentes económicos, trariam vantagens muitos desejados à Cidade e ao País.
Aqui a complementaridade, o respeito e lealdade institucionais devem imperar no relacionamento entre o poder central e o poder local na busca de soluções para os problemas dos munícipes.
Aproveito esta tribuna para sugerir a urgência de os Poderes Públicos prosseguirem, com afinco, na afinação de instrumentos que contribuam para o desenvolvimento da cidade e para a melhoria da qualidade de vida dos munícipes, quais sejam: a realização da vontade constitucional de dotar a capital de um ESTATUTO ADMINISTRATIVO ESPECIAL; a criação de um órgão municipal com funções de polícia (bem preparada e dirigida) para regulação social no município, apoio ao turista, verificação do cumprimento das normas e das posturas, etc; os primeiros passos para a integração da cidade em um espaço maior de planeamento, a Área Metropolitana da Grande Praia; a aprovação dos instrumentos de gestão urbana e outros instrumentos de gestão urbana previsional). Será por essa via também que se vai conseguir a eliminação das causas cujas consequências nos reuniram aqui, hoje, neste fórum.
Agradeço, excelência, Senhor Presidente, mais uma vez, a distinção de que fui alvo ao ver o meu nome associado a evento tão importante. Felicito a Câmara Municipal na pessoa do seu Presidente por esta iniciativa que fortalece a participação democrática e dignifica o Poder Local democrático.
Auguro os maiores sucessos aos participantes deste evento.
Declaro aberto o I Fórum Social Municipal